terça-feira, 29 de setembro de 2009

Faça amor, não faça guerra


E como começo de caminho
quero a unimultiplicidade
onde cada homem é sozinho
a casa da humanidade.
Tom Zé

Em meados do século 20, a cultura hippie mostrou sua face ao mundo. No auge de um verão de São Francisco (EUA), pessoas de todos os cantos e cores celebraram o desejo de igualdade. A flor, o símbolo mais marcante, aposentou a tesoura de cabelos de mulheres e homens. Pés desnudos em sandálias sob túnicas coloridas bailaram pelas ruas da cidade, propagando a paz, o amor e a tolerância em comunhão com a Mãe Natureza.

A motivação – ainda hoje por alguns perseguida –, as injustiças, desigualdades e contradições da sociedade americana, provinha sobretudo de uma juventude, rica e escolarizada, incomodada com o poder econômico-militar. Jovens que se desprendiam do conforto dos lares maternos, rumando a uma vida partilhada em cidades ou comunas rurais. Queriam apenas paz, para si e para o mundo. Opunham-se a todas as guerras, incluindo a que o seu próprio país travava. Defendiam o amor sem limites, a livre atividade sexual.

A música pop, com as suas baladas, e o rock e o seu frenesi, eram um poderoso meio de expressão de sua filosofia. Composta sob o efeito de drogas, ouvida em igual circunstância, criam libertar suas mentes. O desenho "psicodélico" de cartazes e camisetas desalinhava letras e imagens, reproduzindo a mensagem viva no sangue sob o efeito do êxtase.

Tal utopia espalhou saldos pelo planeta. O amor aquecendo ideais e alguns outros se tentando firmar ainda hoje como recurso singular a tolerar a diversidade da vida. A equidade de gênero, de etnia, de orientação sexual, o jeito alternativo de viver, a prática da respiração, meditação e yoga, alimentação saudável e plena imersão na irmandade da Mãe Terra.

Desafio premente da sociabilidade contemporânea: a condição humana. Essa, corriqueiramente atropelada pelo vagão da disritmia da sensibilidade, infere o grau de impacto da subjetividade na gestão de qualquer ordem ou esfera. Tema que, via de regra, supõe-se superado à senil maturidade do processo civilizatório, encenada conforme os papéis desempenhados no teatro da história.

Não é mero propósito deste devaneio atiçar o regime da oficialidade brasileira. Essencial é provocar a brasílica social: em que medida se cobra dos políticos aquilo que se pratica corriqueiramente. Valores que a ação cotidiana - doméstica, do trabalho, do lazer, das relações amorosas e familiares - reproduz assim... um dia após o outro. Hábitos havidos por comunhão, já que no Brasil a desonestidade é inclusive evocada como matriz conceitual de sua fundação: _ Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba, dialogam Ana e Lucinda.

Se cada pessoa, ao vislumbrar nichos de transformação social, neles investisse sua energia e força, decerto que lemas como “Olho por olho, dente por dente”, “Bateu, levou”, nada de deixar de levar alguma vantagem pra casa – vide a lei de Gerson, “a melhor defesa é sempre o ataque”... essas velhas máximas seriam ainda contemporâneas do terceiro milênio...

Entendem algumas pessoas, ou entendiam, que não se faz transformação social sem revolução armada – para o Brasil, e um tanto de outros países, dura memória cravada em camadas da pele. Outras se utilizam, ao menos sumariamente, de cinco comportamentos: se conformam e silenciam; as que não se resignam e expelem indignação aos quatro ventos, existe ainda quem se aquiete mas, em tendo chance, tira proveito, e aquelas que vão às ruas ou aos gabinetes e põem a cara à tapa.

Também há quem silencie, se vai transformando dia-a-dia: dança em círculos, medita, respira profundamente, se empenha em praticar o que prega e deseja que a vida seja. Diante da expectativa de mudar a conjuntura da realidade através do outro, investe em si mesma. Expande o próprio espírito, se recicla, se transmuta e reverbera na energia vital, com a força de uma gota de água salgada do Atlântico, buscando o amor e evitando a guerra. Crê, é o que se ouve dessa gente, que “tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz”, sem se dispor, como Lucinda, a quebrar o nariz com a mentira de maus brasileiros.

As insondáveis constituições da alma e da espiritualidade certamente não configuram temas para agendas oficiais. Mas, atitude e postura está sob o poder de qualquer um. Tom Zé aposta na “unimultiplicidade”, a casa da humanidade. Carolina e Jorge replicam: já que não dá pra mudar o começo, se a gente quiser, a gente muda o final. Vigília e auto-vigília todo dia... e a gente muda o Brasil!

* “Make love, not war” - palavra de ordem do movimento Hippie.

2 comentários:

  1. Bom texto, Rossana. Quem sabe esse blog não esteja preconizando um outro livro... Cidade e Pensamento?
    Vai pro Festival Mundo hoje e leva um quilo de alimento não perecível. O Banco de Alimentos da SEDES agradece.
    bj

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  2. Oi, Ro! Bom-dia. Este post teu eu ainda não tinha lido. Andei viajando e me atrasei!rRsrsrs. Como sempre, ótimo. Fui hippie, hoje sou riponga e te digo, tem hors que penso em me asilar nalguma embaixada como faziam os insatisfeitos (pra dizer pouc!) do regime. Estou insatisfeita com o "regime", não me sinto representada e com a minha vocação pra cidadã do mundo qquer hora dessa vou pro Zambia!KKKKKBju e bom findi.

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