terça-feira, 29 de setembro de 2009

O bochicho de Cem Réis

A cidade não pára,
a cidade só cresce
O de cima sobe
e o de baixo desce.
Chico Science

Assim já era o antigo lugar: cidadania ativa em tempo real. Se antecipando à internet, ali no Ponto de Cem Réis que precede a segunda década do século 20 a notícia mais fresca se anunciava num instante entre os passantes. A atual e, pelo menos, sexta intervenção municipal na área recupera a mais tenra de suas identidades: a do encontro social.

Graça e glória são sentimentos que se misturam em visita ao novo velho ponto, sobretudo os dois dedos da prosa fácil que rapidamente se troca com o imortalizado cancionista paraibano Livardo Alves, dois pés de bronze da Torre aquietados no Centro da cidade.

Tão simbólico é o lugar para tanta gente que várias manifestações por toda parte se anunciam. Falas, escritos ou fotografias registram sentimentos de prazer, diante nova conquista, ou de atávico saudosimo do antigo canto.

Há cidades que não crescem. As boas cidades de se viver, contudo, não param. É pura expressão da dinâmica urbana, sua contradição e desafio: a auto-sustentabilidade espacial diante da atração do tempo de oportunidades para o desenvolvimento humano que o crescimento urbano pode gerar.

Alguns lamentam: reclamam o velho lugar. Cantantes das simpáticas paisagens sombrias o repelem: “árido”. E os que vibram, exultam com o ganho urbano. Recompõe-se um largo outrora tão festejado, que bem pode favorecer à humana boca o bendizer.

A aridez verbalizada tem raiz na origem da forma da cidade. Desde a mais singela das referências citadinas, a clássica ágora romana, desenhos e modelos de configurações urbanas foram desenvolvidos em busca da essência da morfologia social. O medieval período das trevas investigou formas e tamanhos ideais de cidade que buscavam induzir à potencialidade de reconhecimento mútuo de seus próprios habitantes. O mero estranhamento do outro era a lógica advogada à reprodução de uma nova urbe, dali bem distante. Uma regra que a cidade moderna não consolidou face ao desafio maior da remota comunicação global, entre eles o desenvolvimento dos meios de transportes e a fluidez que a urgência da vida demandou ao tráfego de veículos, curvando passeios públicos aos conflitos da diversidade da circulação viária.

Talvez a ágora romana seja a primeira tipologia de espaço urbano desenhada para cumprir o papel posteriormente dado às praças. No contexto das cidades, em que se inseriam suas reproduções, aspecto simbológico da cultura local era a materialização de uma idéia de público. Lugar de partilha coletiva, claramente delineado: espaço de praticação democrática, locus, por excelência, da discussão e do debate de idéias entre concidadãos.

Por isso, a perenidade da velha praça “seca” se faz tão viável aos tempos das cidades. E não conflita com a grande demanda por arborização que a Mãe Terra demanda. Teatro urbano para as manifestações do vigor civil que o futuro requisita. Espaço festivo da irmanação de rua que as artes e a cultura podem florescer à firmação da identidade e da auto-estima de um lugar.

O novo velho largo de Cem Réis é a primeira ágora que agora João Pessoa tem: a comuna, a praça cívica que impõe um saudável aprendizado da urbanidade. O lugar de baixo, franco túnel ao transeunte sobre rodas. O de cima, o povo, sobe! Salva andarilhos, ávidos pelo estar público e por passeios que suportem sua intensa marcha e busca da felicidade da vida melhor. Garante passagem às motoristas do tempo e rejeita a cidade virtual, em que as comunicações e circunstâncias da vida contemporânea, submetidas ao avanço tecnológico informacional, tentam inclusive prescindir da essência das trocas da vida e do trabalho: cara a cara, o olho no olho.

O instante pede fé na co-responsabilização social que a cidade se empenha em promover. De políticas públicas de ativação da cidadania, com os poderosos instrumentos de gestão municipal ofertados à sociedade, ao lugar que viceja o encontro cívico.

É impossível parar o tempo que reconfigura o espaço. É necessário reconhecer que a sociedade produz continuamente fortes concorrentes às formas tradicionais e saudosistas dos encontros em espaços abertos, livres, públicos. “A cidade não pára, a cidade só cresce”. E a vida da gente flui reinventando os lugares do passado. A memória da cidade não pára, a memória da cidade só cresce!

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