terça-feira, 29 de setembro de 2009

Pressa & paciência

Eu não sou dono do mundo,
Mas tenho culpa porque sou filho do dono.
Zezinho Barros

As polaridades fazem parte da história da humanidade. Opostos se alternam a todo tempo, impelindo à compreensão de que a razão carece de contraponto, impõe uma visão dualista da existência. Positivo, negativo. Certo, errado. Preto, branco. Azul, encarnado. Verdade, mentira. Direita, esquerda.

Ah, mas opostos também se alternam o tempo todo confundindo o senso comum acerca das muitas verdades de que a realidade é feita, e de que a razão exige a arte do diálogo, ainda que a tese ante seu contrário conquiste um curioso consenso nem sempre dialético.

Muito cedo, o conceito de lateralidade é introduzido na percepção humana. Logo na infância, a escola introduz exercícios para aferir o grau de discernimento mental das pessoas pequeninas através do funcionamento de seus dois hemisférios cerebrais.

Como mais uma evidente demonstração da força da natureza, constata-se que a organização do cérebro em dois lados, direito e esquerdo, implica a necessária simultaneidade da ação bipolar para a compreensão global da vida. A diferença é a base da comunhão. Toda a manifestação sensorial perpassa os acontecimentos motores do lado oposto do corpo e do espaço. Sem desdenhar do senhor da razão, o tempo, essa quarta dimensão da visão do mundo e os dividendos que do seu transcurso se maturam, o indivíduo e a coletividade.

A abordagem é esquemática, reducionista por força do espaço de expressão e da pretensão de uma interpretação do instante fugidio. A intenção, contudo, é contribuir para avistar as luzes que repercutem as diferenças humanas no jogo da vida social. De que maneira cada cérebro ora se apóia mais nas capacidades do hemisfério esquerdo – em que a análise, o raciocínio e a lógica preponderam –; ora se fia no hemisfério direito, valorizando a intuição, a paixão, a visão sumária, a imaginação.

Por várias vezes, um desenho de dois burros amarrados a uma mesma corda instintivamente buscando saciar a fome e comer seu monte de feno, cada qual em uma de suas extremidades a puxar a corda para o seu lado, foi utilizada em sessões de capacitação de pessoal nas empresas. A lembrança reconstitui a representação de uma lamparina, a que uma das partes é presenteada, garantindo-lhe percepção e ainda poder de convencimento a outra de que comendo juntas, de cada vez um monte de feno, o cenário é contextualizado: esforços conjugados, força-tarefa concretizada. Uma experiência simbólica para a fina flor da sensibilidade de, certamente, visionários dos pontos de fuga não comumente observáveis na linha do horizonte.

A experiência recente de jovens agentes públicos, sensíveis aprendizes da vida em busca de desenvolvimento para toda gente, permite observar quanta prudência uma sociedade, por vezes comodamente incauta, espera de gestores delegados e neles projeta a salvação da pátria. O enigma da política certamente enche os olhos das ruas de impressões miraculosas.

Curiosamente, a perfeição humana, a começar dos distúrbios inerentes da lateridade, se inviabiliza diante da Mãe Natureza. Felizmente. Se a vida perfeita fosse, o que seria mesmo viver? Mas é em busca da eliminação dos defeitos da realidade social que o discurso da cobrança corre. E tem que correr mesmo. E compreender-se parte e também fazer a sua.

Desde que o mundo é mundo, evolução e retrocesso se abraçam e se rejeitam em movimentos cíclicos. E o futuro? O futuro, a gente tenta pilotar. Porque ele chega. Chega sem tempo nem piedade e, sem pedir licença a Toquinho, muda a nossa vida e depois convida a rir ou chorar.

A história da construção do futuro é a história da construção do passado e da desenfreada busca por felicidade que a humanidade carrega ao longo do processo civilizatório. Cientistas ensimesmados, questionam: _como a agência do desenvolvimento econômico não se dá o desafio de encontrar saídas para a superação do vazio de um prato de comida? E, ainda assim, há humanidade que fecha os olhos pra não ver. Por amor à vida, Zezinho Barros pede a Flávio José que repita, a todo instante, e FJ replica: “Boi com sede bebe lama. Barriga seca não dá sono... Desigualdade rima com hipocrisia. Não tem verso nem poesia que transforme o cantador. A natureza na fumaça se mistura, morre a criatura e o planeta sente a dor”.

É que o processo civilizatório é a cara da gente. O bom e o mal é a gente e a gente pensa que não é com a gente. A gente é avanço. A gente é retrocesso. Agente é toda gente: governo e sociedade. Cresce a fome. Cresce o poder?! E a pressa para eliminar da vida o vazio de comida?

Haja paciência para compreender o jogo das polaridades humanas como parte da caminhada!

A transformação social exige pressa. Sem dúvida, a miséria pede extinção. Mas a condição humana impacta as relações sociais através do cotidiano. O que se dirá de cada maturidade conjugada a outra, e a outra, a mais outra...

Paciência? “O diário desse mundo tá na cara.”

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