domingo, 30 de maio de 2010

Voltando-se para dentro

Rossana Honorato

Na experiência administrativa de João Pessoa, como ouvidora geral e coordenadora de implantação de um sistema de ouvidoria, impôs-se a necessária revisão de vários conceitos e paradigmas da ordem pública.

Surgiram denúncias de “infidelidade” ao projeto político de governo ou de uso do ambiente de trabalho para atividades políticas; estas, organizadas por agentes dele, a favor ou desfavor. De visões idênticas, uma ou outra podia ser caracterizada também pelo conceito de “perseguição política”; era só estar no lado oposto à outra.
O senso comum incorpora essas ideias recorrentes sobre as administrações públicas como “perseguição política”, caracterizada pelo desligamento temporário ou sumário de pessoas, seja através da suspensão de contratos de prestação de serviço, destituição de funções comissionadas “de confiança” e, principalmente, uso de retaliação por transferência de ocupação e mesmo de ambiente de trabalho dirigido a pessoas com vinculação estável.
Essas ocorrências levaram a pensar sobre o compromisso de uma gestão governamental com o projeto político definido pelo voto direto da sociedade como o modelo a ser implantado e praticado na duração de um mandato. Receita prescrita no programa de governo da candidatura eleita.
Está claro que resistências haverão de haver, e isso é bem saudável; sobretudo em instantes como o que vive o governo estadual na Paraíba sob o alvo de questões sobre sua legitimidade. Se há algo com que se concorde no processo de uma Paraíba recente que teve seu governo cassado é que novas eleições deveriam ter de havido para garantir a necessária legitimidade e responsabilidade para com a administração do desenvolvimento sustentável do Estado.
Certamente, há de faltar neutralidade nesta abordagem. Falta isenção e decerto sempre faltará a quem se disponha a uma análise. A reflexão é própria de um conjunto de circunstâncias e experiências que constrói o pensamento. Já cria nisso desde a vivência de pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba, no curso de projetos de investigação de objetos históricos, teóricos ou empíricos.
Na Ouvidoria Municipal, ainda que eivada de contaminação política, o tratamento buscava ser equânime e jamais pré-conceituoso. Se faltava à condição de inserção na função a autonomia inerente a uma ouvidora pública, era no exercício da auto-vigília que a gente buscava sustentar-se para a tarefa responsável e responsiva de modelação e gestão do novo órgão.
A experiência trouxe uma vitalidade pessoal à condição política, porque com ela uma disposição a mais se acresceu ao desejo de apreender a natureza humana, a da outra pessoa e a da gente própria no curso da gestão pública.
E se havia quem pensasse que a gente iria pactuar com a prática persecutória ou cúmplice, oriunda de agentes de governo de todos os partidos políticos ali alçados à condição de coligação para governar o município, bem como da sociedade vigilante, o que a gente perseguia mesmo era a busca da consciência coletiva sobre os disparates entre o discurso e a prática e o compromisso para com a história do presente e do futuro.
Se se integra um partido político da base de um governo e esse partido se divide com vista ao projeto político que comanda o governo, determinado pelo voto da eleição que o consagrou socialmente, das opções, uma. Ou se acompanha claramente a parte que mantém o apoio ao governo. Ou desse governo se aparta, por força da perda de identificação com ele. Ou se ainda assim nele se mantém que calada fique a boca e o direito de proclamar internamente apoio ao projeto outro, com base numa idéia irrefletida de compromisso partidário em um país de partidos políticos cada vez mais inconsistentes ideologicamente.
Ocorre que a falta de oportunidades e de perspectiva empregatícia no estado da Paraíba é tão alta que muitos bons profissionais técnicos terminam por não encontrar ambiente no mercado de trabalho, seja também pelo enorme desequilíbrio entre a oferta de recursos humanos egressos das unidades de ensino técnico e superior, seja pelas poucas chances de concursos públicos.
E assim acentuada fica uma carência na visão formal de ensino, residente na falta de formação empreendedora de que tanto se ressente o ensino profissionalizante. Formações profissionais que não encaram o desafio de participar do mercado do lado da roda que gira a renda e gera empregos, terminando por profissionalizar pessoas em busca de empregos e sem visão do futuro, de cidadania pró-umbigo e sem condição de participação ativa na própria história.
Impera assim a visão dos oportunistas sobre a cadeia de benefícios que se assoma através da gestão pública, deteriorando e atrasando ainda mais o processo de erradicação da miséria e da ignorância das populações mantidas estrategicamente nessa condição, abaixo de níveis aceitáveis de clareza sobre a realidade.
Na cabeça mora um ideário de gestão pública em que a base da inserção na estrutura administrativa é formada por competência e capacidade de resolução de problemas em um sistema eficiente de concurso público e através de um esforço desmesurado em praticação democrática. Urge superar o atraso mental e os níveis prevalentes de esclarecimento e consciência social do estado da Paraíba e do Brasil.
João Pessoa já palmilha esse caminho. A Paraíba está já chegando lá, ainda que circunstâncias civis momentâneas apontem perspectivas de prorrogação da desordenação pública vigente, pautada estrategicamente em relações de conchavos e contratos pré-estabelecidos, em benefício de si mesmas.
Essa questão, embora diretamente arrolada ao tema, é pano pra outra manga. Mas cabe reconhecê-la como aquela doença auto-imune que corrói gradativamente por dentro todo dia e a troco de qualquer coisa quatro anos mais.
Mas a Paraíba da gente quer saúde, educação, cultura e participação social de mulheres e homens! Novos pensamentos e indicadores no jornal racional.

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